Cuidar do outro: Um ato de amor ou um fardo opcional?
- Tiago Koch
- 17 de mar.
- 3 min de leitura

Cuidar do outro é um ato de amor, dedicação e, muitas vezes, de paciência e renúncia. Mas qual é o tamanho da nossa disponibilidade para cuidar? Existe um limite de tempo para esse cuidado? Essas perguntas ganham ainda mais relevância quando nos deparamos com situações que exigem dedicação contínua, desde as mais sutis até as mais extremas.
O desafio do cuidado contínuo
Como lidamos com a impaciência diante do processo do outro, seja ele um luto, uma doença, uma depressão, um puerpério ou uma transição difícil? E o que acontece quando a situação se torna ainda mais desafiadora, como no diagnóstico de uma doença rara em um filho, na necessidade de cuidados prolongados por uma companheira doente ou na prisão de um ente querido?
O que faríamos diante desses cenários? Seríamos capazes de sustentar o cuidado por quanto tempo? E se, em algum momento, surgisse a vontade de sumir, o que faríamos?
A realidade do cuidado: Relatos e dados alarmantes
No meu trabalho, tenho ouvido relatos de muitas mães que compartilham uma realidade comum: a sensação de que muitos pais parecem "perder o gás" rapidamente quando o assunto é cuidar. Participam da gestação, do parto, ajudam nos primeiros dias do bebê, mas, com o passar do tempo, o envolvimento diminui, como se tivessem cumprido sua parte naquela etapa inicial. É como se o cuidado fosse uma tarefa com prazo de validade, algo que pode ser abandonado quando se torna mais desafiador ou prolongado.
Dados de 2012, divulgados pelo Instituto Baresi, revelam que cerca de 78% dos pais abandonam as mães de crianças com deficiência ou doenças raras antes de os filhos completarem cinco anos. Esse número chocante nos faz refletir: qual é o limite do cuidado para muitos de nós, homens? Por que, diante de situações que exigem dedicação contínua, tantos optam por se afastar?
O abandono em relacionamentos e outras esferas
Essa questão não se limita ao cuidado dos filhos. Em relacionamentos, as mulheres também parecem ficar mais desamparadas em momentos de extrema fragilidade. Um estudo realizado em 2009 pelas universidades de Stanford, Utah e pelo Seattle Cancer Care Alliance mostrou que as mulheres têm seis vezes mais chances de serem abandonadas após o diagnóstico de uma doença grave, como câncer ou esclerose múltipla. Enquanto 20,8% dos relacionamentos terminam quando a mulher adoece, apenas 3% acabam quando o homem enfrenta problemas de saúde.
Outro exemplo dessa dinâmica pode ser observado no sistema prisional. Pesquisas mostram que as visitas às prisões femininas são cinco vezes menores do que às masculinas. Enquanto as mulheres frequentemente visitam seus companheiros presos, o inverso não ocorre na mesma proporção.
Refletindo sobre nossos próprios limites
Esses dados e relatos me fazem refletir sobre a minha própria capacidade de cuidar. Qual é o meu limite? E quando penso em situações extremas, como o diagnóstico de uma doença rara em um filho, me pergunto: eu seria capaz de sustentar esse cuidado diário, contínuo, sem desistir? A resposta parece óbvia – claro que sim! Será?
Veja bem, não se trata de generalizar ou afirmar que todos os homens agem dessa forma, afinal de contas, não acredito que esse padrão seja algo inato. A questão é entender o que acontece quando caímos nesse lugar? Será que estamos preparados para lidar com a frustração, com o sentimento de incapacidade ou impotência, com o cansaço e a renúncia que muitas vezes acompanham o ato de cuidar? Por que será que, diante da pressão e da complexidade dessas situações, muitos de nós acabam por abandonar o barco?
A desigualdade de gênero no cuidado
Ainda dentro desse cenário, é importante refletirmos sobre como, para as mulheres, “a habilidade de cuidar é frequentemente imposta como algo natural do gênero” (Naiara Santos e Silva). Muitas nem sequer se questionam sobre seus próprios limites ou recursos para expandir essa capacidade. Elas "simplesmente” fazem. Elas ficam.
Enquanto nós, por outro lado, temos a chance de fazer a pergunta “ficar ou não ficar”. Isso escancara uma desigualdade estrutural: “enquanto para as mulheres o cuidado é um dever inquestionável, para os homens, muitas vezes, ele é visto como um fardo opcional” (Roberta Kraus).
Responsabilidade, não culpa
Essa reflexão não é sobre culpa, mas sobre responsabilidade. Precisamos olhar para esses padrões e questionar: o que nos impede de permanecer no lugar de cuidado? Será uma questão cultural, emocional, ou uma combinação de fatores? E, mais importante, como podemos mudar essa realidade, construindo uma cultura em que o cuidado seja visto não como uma obrigação temporária, mas como um compromisso contínuo?
A pergunta que fica
Se quem ama cuida, qual o limite do nosso amor?
Por Tiago Koch
Colaboração: Fê Lopes, Roberta Kraus, Claudia Borges, Naiara Santos e Silva, Bruna Rocha Nazzari
Comments